domingo, 20 de julho de 2008

Sí Se Puede Tour 2008 // Capítulo 6: Entre estradas, cachorros e cabanas

O Domingo ia terminando quando iniciamos o trecho de 1000km que nos levaria até Puerto Varas, cidadezinha próxima à Puerto Montt, em direção ao Sul do Chile. Ao invés de seguir no caminho mais lógico e seguro, via Santiago, resolvemos tomar uma rota passando por estradas secundárias - iguais, de boa qualidade. Parece que seja qual for o caminho, o Chile oferece cenários incríveis. Cruzamos por montanhas, lagos e vilarejos interessantes. Já era noite quando atingimos a Ruta 5.

Programação cultural quentíssima em Casablanca

A Ruta 5 cruza o continente de cabo a rabo, desde o Alasca até Puerto Montt, com mais de 9000km de estrada. Por isso, recebe também o nome de Rodovia Panamericana. trecho de Santiago até o sul conta com apenas 14 pedágios, cada um custando o equivalente a R$ 8. As condições, porém, valem o investimento. Pista dupla extremamente bem sinalizada, asfalto liso e a companhia dos Andes à esquerda durante todo o tempo. Acompanhados pela rádio Bio-Bio Deportes, seguimos até Chillán ouvindo a vitória chilena sobre a Bolívia pelas Eliminatórias. Comemoração intensa dos radialistas, que gritavam goooool por 3 minutos a cada vez que La Roja balançava os cordéis altiplânicos.

Estamos indo na direção certa?

Metade do caminho, Chillán não tinha muito a oferecer, ao contrário do que pensava este que vos escreve, que a confundiu com Pucón, esta sim cidade turística. Nos restou bater um sanduíche delicioso no pacato centro da cidade e recolher-se, já que no dia seguinte a viagem prosseguiria. Naquela manhã, então, saímos sob frio intenso. Em Temuco, nos programamos para almoçar. A eleição por um restaurante alemão recomendado em nosso guia terminou sendo frustrada, já que no endereço citado nada havia. Era no miolo do Centro da cidade e o caos imperava. Transtornados, tomamos o rumo do mercado público local, que ficava a uma quadra dali. Após insistentes propostas de funcionários dos restaurantes - mas assim, insistentes MESMO - decidimos por um qualquer, que ofereceu um saboroso salmão a um preço bastante honesto.

Uma dupla infernal: vulcões Osorno e Chabulco

Fim de tarde quando chegamos em Puerto Varas, cidadezinha de colonização alemã a 20km de Puerto Montt. A primeira impressão é que estávamos em Gramado, descontando o lago Llanquihue, que costeia a cidade, e a vista dos vulcões ao fundo. Após um rápido rodeio pelo Centrinho, tínhamos que encontrar alojamento. Uma das opções que pareciam mais atraentes eram cabanas rústicas situadas na beira do lago, mas logo percebemos que três machos procurando por uma cabana não era a nossa cara. Após muitas piadas sobre as preferências sexuais dos viajantes, acabamos nos hospedando em um hotel mesmo.

Melhor amigo do homem

Mesmo com uma noite gelada, saímos a bater perna e conhecer a cidade. Destaque para a belíssima pizza de chorizo degustada no bar que, dizem, é freqüentado por loiras danesas. Porém, a noite de segunda em Puerto Varas só é quente se colocam pimenta na beira do teu copo de chopp, lhes garanto. Foi melhor se contentar com a companhia dos cachorros, que nos perseguiam aonde quer que fossemos.

Na manhã seguinte, muito chão e neve pela frente.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Sí Se Puede Tour 2008 // Capítulo 5: As aparências enganam

Deixamos Santiago meio contrariados, porém conformados pois tínhamos um roteiro a cumprir. Após uma rápida viagem, chegávamos à Valparaíso, recomendadíssima na capital chilena, fato que criou certa expectativa. Primeiramente, costeamos o porto e chegamos até a costa sul da cidade, local aparentemente mais novo, exatamente quando sol se punha sob o Oceano Pacífico.

Tá vendo lá no fundo? Nova Zelândia

O sol baixou, a temperatura caiu e nós nos metemos na cidade. Senti falta do Centro de Porto Alegre. Carros carros carros gente gente gente buzina buzina buzina tudo-parado-nada-se-mexia. A cidade deu a impressão de ser velha, suja, bagunçada. Os hotéis indicados no guia que levávamos conosco tinham fachadas assustadoras. Todos os caminhos nos levavam à vizinha Viña del Mar.

Estabelecimento comercial não-identificado. Talvez uma mercearia, talvez...

E Viña era, de fato, mais agradável. Pudera, a cidade foi construída para o turismo, com ruas largas, edifícios modernos, praia e cassino. Acompanhamos a vitória gremista contra o Goiás pelas ondas cibernéticas da Gaúcha e fomos jantar no mui atrativo Delicias del Mar, talvez o melhor restaurante da viagem. Ao final da janta, fomos convidados* a tomar um licor.

* Convite = 4000 pesos = 14 reais. Cada. (= pega-turista)

Estamos salvos!!!

Na manhã seguinte, iniciaríamos um trecho de 1000km até a Região dos Lagos, mas não sem antes darmos uma volta para conhecer melhor as cidades. Durante o dia, Viña mostrou semelhanças à outras cidades litorâneas brasileiras, como Camboriu (só que sem os bagaceiros). Em seguida, voltamos à Valparaíso, acreditando ainda no que toda a população de Santiago e nosso guia diziam.

Não tem Plano Diretor aqui, não?

Enfim, descobrimos porque a cidade tem o simpático apelido de Valpo. No Domingo, sem aquele quilombo do dia anterior, foi possível caminhar tranqüilamente nas ruas, subir os elevadores (aproximadamente 200 anos de utilização - manutenção duvidosa) que levam para a parte alta da cidade, onde as casas coloridas amontoadas formam um cenário peculiar que chama a atenção. Porém, infelizmente não tínhamos mais tempo.

Hora de ir ao encontro dos vulcões.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Sí Se Puede Tour 2008 // Capítulo 4: Money talks

Apesar dos transtornos na hora de entrar na cidade (quando quiserem dicas de como fazer isso, não falem comigo), chegamos ainda animados com o que recém tínhamos visto. Resolvemos comemorar o êxito do cruze andino na muito falada Calle Suecia, onde supostamente estariam os bares mais movimentados da cidade. Supostamente. Tal rua nada mais era que um tremendo engodo, repleto de bares e restaurantes com figuras caricatas na recepção e bandeiras dos mais variados países nas portas (= pega-turista). Caímos num deles, atendidos por uma simpática moça que nos deu dicas da noite chilena. Após uma janta modesta, fomos convencidos pela hostess a ir para um tal de Sala Murano. O que não sabíamos era que em tal lugar só se podia desfrutar um reggaeton diliça. Após algumas doses de vodka, a música não ficou tão ruim e o ambiente era até agradável.

Zuropa? Não, Santiago do Chile

Mas se Santiago aparentemente carecia no quesito vida noturna, a capital chilena põe qualquer outra cidade brasileira no bolso quando o assunto é desenvolvimento. Hospedamonos no bairro financeiro da cidade, El Golf, repleto de prédios modernos com design arrojados, tipo das zuropa. Diferente da Argentina, em Santiago é muito difícil encontrar carros antigos. As ruas, apesar de movimentadas, são largas e relativamente tranqüilas (poucas pessoas buzinam no trânsito). A cidade possui vias subterrâneas que cruzam vários bairros e facilitam o tráfego. Os bairros, por sinal, em sua maioria são bastante limpos e organizados, isso tudo com a Cordilheira nevada ao fundo. Coisa bonita de ser ver.

Viu só que belezura?

No meio da cidade, um morro - Cerro San Cristóbal - oferece uma vista privilegiada da cidade, além de uma Erdinger bem servida. No Centro, após almoçar no Mercado Público (= mais um pega-turista), conhecemos o histórico Palácio de La Moneda, palco do golpe de Estado que levou Pinochet ao poder na década de 70, após o "suicídio" de Salvador Allende. Também conhecemos as míticas (futebolísticamente falando) sedes da Universidad do Chile e da Universidad Catolica, além do próprio Estádio Nacional, também lembrado por servir de prisão e local de vários assassinatos na época da ditadura. Aproveitamos um descuido dos seguranças e até no campo entramos. As dependências, no entanto, mostraram-se um tanto antigas. O estádio parece muito maior na tevê. A vinícola Concha y Toro, distante 60km do centro, também recebeu nossa ilustre presença.

O portão tá aberto? Entrei

Além do (agora, já sóbrio) sofrível Sala Murano, Santiago conta com uma espécie de Cidade Baixa. No bairro Bellavista, aos pés do San Cristóbal, barzinhos estilo low-cost dividem espaço com outros locais tão simples quanto, porém mais caprichados e modernosos. Mas o grande achado estava perto do Centro, numa galeria inóspita, freqüentada por "góticos", como diria a mal-informada hostess citada no primeiro parágrafo. Blondie. Definição: tudo que o Beco queria ser, mas não é. Descendo suntuosas escadarias, com largas colunas antigas, chegava-se à primeira pista. Pequena, com um telão na parede, ao som de Franz Ferdinand, Arctic Monkeys e Libertines, entre outros. No outro salão - do tamanho de duas quadras de futsal - uma festa anos 80 pegada, com DJs mixando as músicas e não apenas apertando o play, como acontece na superestimada Balonê. Difícil escolher aonde estava melhor. De uma pista para outra, de uma pista para outra, até quase 6h da manhã. Melhor som. Melhor.

Dia seguinte. Hora de chegar no litoral (do lado de lá).

domingo, 6 de julho de 2008

Sí Se Puede Tour 2008 // Capítulo 3: 350km em 7 horas


Mendoza

Km 0 - 11h20

Km 110 - 12h29

Km 180 - 14h10

Km 230 - 15h11

Km 250 - 15h52

Km 270 - 16h50

Km 300 - 17h30

Santiago

(Palavras não são necessárias)

sábado, 5 de julho de 2008

Sí Se Puede Tour 2008 // Capítulo 2: Tomba de Primera

Depois de merecidas horas de sono, despertamos e saímos a conhecer a cidade. Mendoza é relativamente pequena, apesar do território grande e da numerosa população, já que as áreas de interesse se restringem a duas ou três ruas e um imenso parque que fica na margem oeste da cidade, aos pés da Cordilheira. Primeiramente, caminhamos pelas ruas do centro. Disfrutamos da nossa primeira parillada e, estranhando a pouca movimentação na cidade, fomos informados pelo garçom - que volta e meia fatura umas gringas, como ele diz - que aos Domingos todos vão ao tal parque. Então, fizemos o mesmo. Realmente, a cidade inteira estava no parque, imenso, com clubes, canchas de tudo que é esporte, velódromo e um magnífico estádio utilizado na Copa de 78, que segundo os entendidos e conhecedores do velho continente lembram muito Berlim. Pela noite, ruas pacatas; nos restou assistir Lanús x Boca em um bar.

Oi! Meu expediente só termina às 16h!

No dia seguinte, tudo pronto para sair quando uma ligação muda os planos. Maurício tem que finalizar algo urgente que não pode esperar. Saio com o Otávio para - de fato - conhecer a cidade com ela funcionando. Depois de aguardar vários só mais 10 minutinhos, conseguimos sair para os vinhedos no final da tarde. Tarde demais até. Ao chegarmos na Chandon, tudo fechado. Só restou a Norton, onde degustamos apenas - nada de tour.

Uma coloração densa, aroma frutal com vestígios de tabaco. Ou seria chocolate? Caramelo? Ah, sei lá...

Decididos a fazer algo que marcasse a passagem por Mendoza, jantamos na parrillada mais imponente da cidade. Um assado de tira fenomenal. Melhor da vida, certo. Poucos metros dali, o time da cidade, Godoy Cruz, jogaria contra o San Martin de Tucumán, partida que marcaria o encontro da equipe, recém promovida à primeira divisão argentina, com a torcida. Sim, era jogo da segundona argentina.

Vamo vamo Godoy Cruz... Hoje eu vim te apoiar...

Apesar da sugestão do garçom de irmos de popu (popular, atrás do gol), ficamos um pouco temerários quanto a condição demográfica do local e resolvemos pagar de grandões, indo de platea coberta por míseras 15 pratas cada um - 5 dólares. O frio de lascar no Estádio Malvinas Argentinas (= Falklands) não esfriou os ânimos do Tomba (apelido carinhoso do clube local), que venceu com por 2 a 0, destaque para o careca meio-campista que marcou um dos gols. Presentes também estavam vários cachorros, provavelmente moradores do parque, e um mapa das Falklands ao lado do placar eletrônico. Fim de partida, trocamos a festa nas ruas da cidade pelo bar com pior atendimento da Terra. Depois de vários erros nos pedidos, a passagem por Mendoza estava encerrada.

Era hora de cruzar pelas montanhas dos Andes.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Sí Se Puede Tour 2008 // Capítulo 1: Clube Irmão Caminhoneiro Shell

Já eram quase 5h daquele Sábado e nós cruzávamos o vão da Ponte do Guaíba, marco zero do que planejamos durante os quatro meses anteriores. A viagem começava com atraso de quase 12 horas, já que as coisas ruins acontecem sempre nas horas mais impróprias e o Mauricio ficou preso no escritório até poucos momentos antes do início de tudo. Mas enfim, lá estavámos tomando o rumo oeste, ainda sob a escuridão. Passados 600km e algumas tentativas de romper a barreira do som, no final da manhã passamos a mui simpática Ponte Internacional Brasil-Argentina, chegando ao município de Paso de Los Libres.

RBS Mente! Argentina = verdade absoluta

Distantes mais de 2000km, Mendoza seria nossa primeira cidade a ser visitada. Se saíssemos no horário combinado, chegar até lá seria impossível. Mesmo dormindo 6h antes, sabíamos que nosso objetivo era tocar até onde o corpo agüentasse. Santa Fé, Córdoba talvez. Para piorar, começamos a sofrer com a falta de gasolina no país vizinho. Por precaução, o tanque nunca devia ficar abaixo de 1/4 da sua capacidade. Contudo, o primeiro susto aconteceu logo no primeiro trecho em solo platino. As várias cidades que constavam nos mapas não passavam de humildes vilarejos; a estrada considerada principal era uma faixa de asfalto no meio do nada, sem sinalização no chão e placas sequer. A tensão tomou conta até que apareceu a acolheradora "cidade" de San Jaime de La Frontera, onde abastecemos e almoçamos.

Ansiedade para conhecer o cozinheiro do local

Seguimos com tanque e barriga cheios e, pelas contas do nosso navegador, chegar até Mendoza naquela noite passou a ser uma possibilidade, ainda que dependesse de fatores externos. Fatores esses que contribuíam com nossa missão: gasolina disponível, estrada vazia, pista plana e quase sem curvas. Era metade da tarde quando chegávamos à cidade de Paraná, muito antes do previsto. Ali, teríamos que passar por um túnel por debaixo do Rio Paraná até a cidade de Santa Fé. Aí, a sorte esvaziu-se. Pista bloqueada, fomos informados pela polícia local que o túnel havia sido interrompido não fazia sequer meia hora por caminhoneiros. Os hermanos sofrem com o problema do campo. Taxados abusivamente pelo matrimônio presidencial Kirchner (só na Argentina mesmo...), os ruralistas resolveram protestar bloqueando estradas e impossibilitando a chegada de alimentos à população. Os transportistas, com suas cargas paradas nos vários bloqueios, também protestavam, fazendo... bloqueios!

Enquanto crianças jogavam bola no outro lado da pista, estudávamos alternativas com os locais. Nenhum sucesso. A paralização era geral. Só nos restava aguardar e torcer para uma solução rápida. A polícia nada fazia. "Isso é problema do governo federal", diziam. Ótimo: a polícia organiza o protesto, ninguém se movimenta na cidade e a culpa é do sistema. Maravilha.

Irmão caminhoneiro! Obrigado e boa viagem!

Quando era criança, assistia ao Clube Irmão Caminhoneiro Shell nos domingos de manhã, na Bandeirantes. "Ser caminhoneiro deve ser legal, conhecer vários lugares, que bacana!" pensava. Piá é ingênuo pacas.

Três horas e meia depois, houve um acordo e a pista foi liberada, mas não sob tranqüilidade. Ameaçavam bloquear todas as rotas do país. Parar a Argentina. Chegar em Mendoza naquela noite virou questão de sucesso do planejamento da viagem.

Alternando no volante, eu e Otávio comandávamos a viagem conduzindo um Mauricio quase sem dormir na carona. Em Santa Fé, mais dificuldades para abastecer. Seguimos via Rio Cuarto, passando por piquetes dos caminhoneiros que ficavam a noite nas beiras das estradas sob o fogo de pneus queimados.

Pista em más condições, sinalização inexistente, cansaço. Na madrugada, um minuto de descanso do navegador nos faz perder uma saída e andar 40km além do necessário. Retomamos o caminho certo e, quando parecia que as coisas continuariam complicadas, eis que surge o oásis: uma estrada de pista dupla e iluminada e toda sua extensão nos 100km que ligam San Luís à Mendoza.

Às 5h de Domingo, ela surge. Mal podemos acreditar. Na escuridão, o único sinal do Andes é um ponto de luz alto, no horizonte. Importante é que a cidade estava ali, o hotel estava ali e, o mais importante, nossas camas estariam ali.

A viagem estava apenas começando.